sexta-feira, 4 de março de 2011

Felizmente Há Luar! - uma farsa


Felizmente há Luar! de Luís de Sttau Monteiro é uma obra de leitura obrigatória para todos ou quase todos os alunos que actualmente fazem o 12º ano. O seu protagonista é o general Gomes Freire de Andrade, que acaba enforcado no forte de Oeiras, em S. Julião da Barra.
O autor quer fazer dele um herói, mas a verdade histórica autoriza muito mal tal pretensão.
Na vida de militar de Gomes Freire de Andrade podemos distinguir dois períodos, aquele em que serviu o exército português e aquele em que foi mercenário ao serviço de Catarina da Rússia e depois de Napoleão.
Segundo uma biografia da responsabilidade do Exército Português que se encontra na Internet, este oficial não se sai muito bem no primeiro período, pois atacava “todos os que não eram aristocratas como ele” e “também os comandantes da artilharia, Rosa e Teixeira Rebelo, estes, antigos sargentos, vindos do pequeno campesinato do interior do país, que tinham conseguido ascender ao oficialato devido aos seus estudos e à sua competência técnica”. Esta é uma atitude que noutros tempos se não hesitaria em qualificar de reaccionária: ele valorizava pergaminhos e interesses de classe, não o mérito. Andava às avessas da Revolução Francesa que estava para estalar e do liberalismo que aí vinha.
Mais adiante, escreve-se na mesma biografia:
“Subindo os postos tão rapidamente quanto possível a um oficial aristocrata, mas não o suficiente para seu gosto, tentou todos os meios para subir rapidamente na hierarquia transferindo-se para a Marinha de Guerra, tendo aproveitado a guerra da Rússia contra o Império Otomano, e a assinatura do tratado de Amizade e Aliança entre Portugal e a Rússia, para se propor voluntário para o exército russo, na guerra empreendida pela imperatriz Catarina e dirigida pelo célebre general Potemkine, conflito que terminará com a conquista da Crimeia pela Rússia”.
Temo-lo assim como mercenário ao serviço duma rainha de crueldade proverbial.
Aquando da primeira invasão francesa, em 1807, pôs-se do lado dos invasores. Voltemos à mesma biografia:
“A colaboração com os ocupantes espanhóis e franceses fê-lo ser nomeado para 2.º comandante do exército português, reformado de acordo com os regulamentos franceses, que se dirigiu em Abril de 1808 para França, onde foi integrado no exército francês com o título de Légion Portugaise.
Em Espanha, teve tempo de combater a insurreição espanhola contra os invasores franceses, sendo enviado com algumas tropas portuguesas para o cerco de Saragoça. Regressou a França com as tropas portuguesas do seu comando, dirigindo-se para Grenoble, guarnição da Legião em França”.
Mais adiante foi nomeado governador de Dresden, na Alemanha, por Napoleão Bonaparte.
Tudo isto faz dele um vil mercenário, um oportunista que não olha a meios, um traidor da sua pátria.
Com a definitiva derrota de Napoleão, Gomes Freire de Andrade consegue voltar a Portugal e escapar a um merecido julgamento.
Luís de Sttau Monteiro aproveita-o em 1817, branqueando-lhe o passado e fazendo dele um mártir dos inimigos do liberalismo que se anunciava. É curioso, e também conveniente, que mantenha Gomes Freira de Andrade sempre ausente da cena e que portanto o espectador nunca lhe ouça uma palavra. Podia-se comprometer.
A Igreja sai muito mal parada desta obra, onde surgem posições de cariz protestante e contestatário, nalguns casos ao menos creio que ao modo dos chamados católicos progressistas que se opuseram a Salazar, o que parece um pouco anacrónico.
No final da peça, a juventude escolar que hoje tem de ler o livro fica com uma ideia muito negativa da Igreja e de Salazar, que são os dois alvos do autor, e com uma ideia muito positiva sobre o liberalismo. Isto é, a nosso ver, falseador da verdade, pois branqueia-se um homem que tinha um passado nada recomendável e torna-se mais grave quando logo a seguir o aluno vai passar para o Memorial do Convento, onde a paixão se sobrepõe também à procura serena da verdade: nunca nele, por exemplo, se valoriza a extraordinária arte do Convento de Mafra.
A Igreja foi seriamente vítima da sanha jacobina do liberalismo, mas isso não está nesse livro nem noutros semelhantes.

Imagens a partir de cima:
Gomes Freire de Andrade
Catarina da Rússia
Napoleão Bonaparte

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